Por Alice Livingston Messina e Mylena Nabhan Cruz
“O que nós estamos fazendo com as florestas do mundo é apenas um reflexo do que estamos fazendo conosco e com os outros” – Chris Maser (biólogo e ambientalista)
A natureza sempre foi a fonte de tudo que o ser humano necessita. Nos primórdios da humanidade, dela eram tiradas a alimentação e a moradia. Havia, então, uma relação respeitosa e saudável de cooperação entre homem e meio ambiente. Porém, com o passar do tempo e com o desenvolvimento de uma filosofia judaico-cristã ocidental, essa dinâmica se inverteu; passou-se a enxergar a natureza (tanto fauna quanto flora) como um ente exclusivamente a serviço do ser humano, destinado a atender seus anseios. Essa ideia de dominação, no entanto, não tem relação apenas com o modo como as pessoas tratam o mundo natural, mas também afeta como elas se relacionam entre si, e é extremamente prejudicial.
Um dos frutos dessa relação destrutiva do ser humano frente à natureza são os incêndios e queimadas por ele provocados. No último mês, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, tem passado por uma situação extremamente crítica e alarmante. Iniciou-se lá, no dia 10 de outubro, um incêndio que vem devastando enormes porções da unidade de conservação, que se dedica à proteção integral da natureza da região. Este é considerado o maior incêndio da história da reserva ambiental, já tendo atingido mais de 65 mil hectares de terra, o que equivale a cerca de 26% da área total do Parque. Cabe ressaltar que o bioma presente em toda a área do Parque é o Cerrado. Nos campos e veredas, belíssimas formações da palmeira buriti (Mamita flexuosa), que acompanham lugares úmidos, desde as nascentes prosseguindo por brejais e cursos d’água.
Apesar dos esforços no sentido de conter o fogo – que a princípio pareciam ter êxito – novos focos começaram a surgir a partir do dia 17 de outubro, agravando o quadro que já era muito preocupante. Foram enviados mais de 200 brigadistas e bombeiros – além dos próprios moradores da região – para controlar o incêndio, foram usados muitos aviões e 1 milhão de litros de água, aproximadamente. Contudo, as altas temperaturas e baixa umidade do ar oferecem grandes dificuldades à tarefa.
Os incêndios florestais estão entre as principais ameaças à biodiversidade, sendo uma questão de saúde pública e proteção ambiental cujas consequências são devastadoras ao meio ambiente e também à população humana. Os danos ao meio ambiente, além da vegetação, englobam também os animais que vivem na Chapada – sendo muitos deles de espécies raras, endêmicas ou sob risco de extinção – como o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus). Devido ao fogo, muitos animais foram encontrados mortos ou se viram forçados a abandonar seu habitat natural e buscar abrigo em locais supostamente mais seguros, o que pode vir a causar um desequilíbrio ecológico. Se não estão feridos, eles estão, no mínimo, desamparados e em busca de alimento – o que agora se tornou um recurso escasso.
Há ainda que se notar o perigo que o incêndio representa aos moradores das cidades próximas ao Parque. Antes da criação do mesmo, os moradores da região viviam da exploração de cristais e recursos naturais da área. Em 1990, com o ordenamento da visitação, muitos garimpeiros receberam treinamento e hoje atuam como condutores de visitantes no Parque, participam da gestão da Unidade através do Conselho Consultivo e da preservação como um todo – por isso, dependem de sua conservação. O município de Cavalcante foi o mais afetado pelo fogo, tendo 80% de seu território de 7 mil quilômetros quadrados e 9,7 mil habitantes consumido pelas chamas. A população dessas cidades sofre, principalmente, com a falta de água, o que aumenta o índice de migrações internas.
Quanto à origem do incêndio, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) alega se tratar de incêndio criminoso, possivelmente causado por fazendeiros da região, como forma de represália à recente ampliação da área do Parque (de 65 mil para 240 mil hectares). O Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal debruçam-se sobre caso para melhor apurar as responsabilidades.
Essa conduta, infelizmente, não é novidade no Parque; sua conservação enfrenta dificuldades diárias com a caça predatória, a extração ilegal de madeira e mineral no nordeste da área (Nova Roma), a falta de práticas que promovam a conservação do solo e o fogo que é provocado pela vizinhança, afetando muitas vezes, a área do parque. Além disso, ainda há a especulação imobiliária na zona de amortecimento, a área estabelecida ao redor da unidade de conservação com o objetivo de filtrar os impactos negativos do exterior.
Felizmente, no sábado de 28 de outubro, a maior parte do fogo parece ter sido contida pela chuva que atingiu 100% da área da unidade de conservação. Ainda assim, de acordo com o ICMBio, não é seguro afirmar que o incêndio foi completamente extinto – apenas está sob controle.
Referências:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/meio-ambiente/parque-nacional-da-chapada-dos-veadeiros