Por Pedro Wichtendal
Brasil é o país mais letal para ativistas ambientais, dos quais a maior parte é indígena: foram mais de 150 assassinatos entre 2012 e 2015, e 65 apenas em 2016. As mortes tendem a aumentar. Contudo, apesar da gravidade latente desse quadro, a produção acadêmica sobre a vitimização indígena carece de aprofundamentos em relação à hipótese de a violência dirigida aos povos indígenas se correlacionar, de alguma forma, com as tendências políticas dos governos.
Sob essa perspectiva, é possível formular o seguinte argumento: governos posicionados tanto à esquerda quanto à direita no espectro político vitimizam as populações indígenas. Enquanto governos de esquerda as atingem a partir de violência de natureza estrutural-institucional, governos de direita mobilizam, também, manifestações simbólicas e diretas de violência. A tese é proposta por Salo de Carvalho, David R. Goyes e Valeria Vegh Weis no artigo Politics and indigenous victimization: the case of Brazil, de 2020.
Trabalhos de criminologia que focam em grupos indígenas tendem a enquadrar suas pesquisas em um escopo de definições estritamente legais de crime. Isso os conduz, por um lado, a ignorar práticas legais de efeitos danosos, e, por outro, a limitar seus estudos apenas à medida em que a justiça criminal incide sobre esses grupos. Aqui, visa-se abordar a dinâmica das interseções entre Estado e população indígena; para isso, e perante a falta de dados oficiais, optou-se por recorrer a estatísticas governamentais e não governamentais, julgados, relatórios de ONGs, reportagens e outros tipos de documentação sobre a violência contra indígenas, de modo a avaliar a influência das escolhas políticas dos governos brasileiros entre 2003 e 2019.
No governo Lula, as taxas anuais de desmatamento tiveram declínio de 80% entre 2004 e 2012, conforme a segunda imagem no post, após a implementação da Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER). Não obstante, investimentos de grande risco ambiental não perderam destaque nas gestões petistas, com ênfase ao avanço do modelo de agronegócio, comandado pelo lobby rural, e aos empreendimentos de usinas hidroelétricas, de projetos de mineração e da instalação de linhas de transmissão em solo indígena – iniciadas sem o mínimo contato com os grupos que seriam afetados. No governo Dilma, somente 3% das represas receberam efetiva fiscalização, e as porcentagens de alocação de terras para comunidades indígenas foram significativamente baixas, como no caso de quilombolas e dos Xukuru de Oruba. Percebe-se a gravidade do histórico de omissões governamentais.
O governo Temer, até a posse de Jair Bolsonaro, ocupou a posição de governo mais negligente para com os indígenas, em termos de políticas públicas, desde a redemocratização. Chama-se a atenção para a violência institucional nos âmbitos de saúde e de educação, com a contração de doenças evitáveis e elevadas taxas de mortalidade. Nesse cenário, os conflitos de terra foram acirrados, com 96 crimes contra o meio ambiente em 2017, dos quais a maioria são invasões de terras indígenas, e 847 casos de omissão na alocação de terras para comunidades indígenas. Entre agosto de 2017 e julho de 2018, a destruição da Floresta Amazônica atingiu graus sem precedentes: a cada minuto, destruía-se área equivalente a dois campos de futebol, com a derrubada total de 1,185,000,000 árvores.
Link do texto na íntegra: https://academic.oup.com/bjc/advance-article/doi/10.1093/bjc/azaa060/5896392?searchresult=1
CARVALHO, Salo de; GOYES, David; WEIS, Valeria Vegh. Politics and indigenous victimization: the case of Brazil. Oxford: The British Journal of Criminology, 24 agosto 2020.